Categoria: Meio Ambiente

  • Falta d’água ou de solo, afinal?

    Falta d’água ou de solo, afinal?

    Texto do geólogo Prof. Edézio Teixeira de Carvalho

    Erosão do solo, voçorocas e água são preocupações do geólogo e professor Edézio.

    Neste post, o professor e geólogo Edézio Teixeira de Carvalho chama atenção para os danos que as voçorocas podem trazer, não só ao solo, quanto às reservas de água pluvial. Trata, especificamente, o caso das voçorocas de Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto.

    Com a palavra, o professor:

    Existe analogia entre corpo humano e médico, de um lado, e, de outro, entre o solo e seus possíveis “médicos”.

    Afinal, se o corpo humano está doente ou ferido, será tratado por médicos. De modo em tudo semelhante, o solo pode apresentar ferimentos ou doenças naturais ou provocadas por ações humanas. Enquanto o dever de tratar o corpo humano é cumprido, ainda que com falhas lamentáveis, o solo deixa quase sempre de ser tratado por quem possa curá-lo.

    Por quê?

    Cito exemplo do qual tenho conhecimento. Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto (MG). Por lá passaram centenas dos melhores geólogos do mundo. Desses que participaram, porque não o fizeram sozinhos, de descobertas de petróleo como o campo de Majnoon, no Iraque, e dos campos do nosso chamado Pré-Sal.

    Por que os geólogos renomados não foram chamados para solucionar o problema das voçorocas de Cachoeira do Campo?

    Por que bom número deles não foi chamado a solucionar o problema das voçorocas de Cachoeira do Campo, infinitamente mais fácil que o das notáveis descobertas? É porque não existe a percepção de que as voçorocas não são apenas problema ambiental local, que se completaria em Amarantina, distrito vizinho a Cachoeira do Campo.

    Digo não apenas porque as terras movimentadas pelo fenômeno erosivo de Cachoeira do Campo assoreiam completamente o reservatório de Rio de Pedras, em Itabirito. E têm de seguir além por não caberem mais no leito do Maracujá, e muito menos no pequeno reservatório. E têm de seguir para Rio Acima, Raposos, Sabará, Santa Luzia. Ganham o São Francisco e, finalmente, as grandes represas da Bahia e Nordeste.

    Voçorocas: Problema de extensão territorial subcontinental

    Trata-se, como se vê, de mal de extensão territorial subcontinental. Não obstante, portanto, a grandeza da desgraça, da cura dessa doença, a lei não quer participar.

    E, contrariamente ao que recomenda ao doente humano, a lei mal concebida afasta o “médico” do sistema geológico moribundo, sem solo nas altas cabeceiras suficiente para hospedar a água, seu papel geológico não menos importante que o de nutrir as plantas que matam a fome dos homens e animais.

    O solo é o primeiro reservatório das águas da chuva

    Uma humanidade geologicamente não alfabetizada não percebe que o solo tanta falta faz nas alturas, por ser o primeiro reservatório das águas pluviais.  Além disso, é amplamente um recurso ambiental não renovável, de modo que deve ser buscado de volta…

    Mas como?[1]

    O único empecilho é a lei que proíbe a contenção do processo como se essa contenção fizesse mal à água. Pois bem, essa contenção faria bem à água porque isso evitaria seu retorno precoce ao mar! Além disso, a água que se esvai nunca deixa de levar consigo o solo. E, portanto, essa perda de superior hierarquia geoambiental estaria sendo reduzida.

    Um homem e um rio nunca se encontram mais de um vez na vida

    Então pensemos num consagrado filósofo da história, um certo Heráclito de Éfeso. Ele disse o seguinte: “Um homem e um rio nunca se encontram mais de uma vez em suas vidas, porque nem o rio nem o homem serão, no segundo, os mesmos do primeiro encontro”.

    É claro que não sei tudo o que se escreveu sobre ele. Mas sei que sabia ser perfeitamente normal que o homem sempre evolui aproximando-se da morte. Mas o rio não pode! Porque cabe ao rio sustentar gerações seguidas de gerações. E isto é geologicamente incompatível com a falta ou com a irregularidade do abastecimento de água.

    O que não pode faltar é o solo


    Fica evidente que o que de fato não pode faltar é o solo, sem o qual não se controla a água.

    [1] No livro Morte e Vida São Francisco, de minha autoria, proponho a criação da mineração corretiva para desfazer, como é dever maior do homem, o grande mal que o conjunto das atividades territoriais como a agropecuária, a urbanização e a própria mineração convencional, quando malfeitas, têm produzido sobre a terra.

  • Plano de Manejo da RPPN Cachoeira do Tombador

    Plano de Manejo da RPPN Cachoeira do Tombador

    Uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) é uma Unidade de Conservação (UC). Sua gestão se faz através do Plano de Manejo.

    Neste post, vc. conhecerá um pouco mais sobre o Plano de Manejo da RPPN Cachoeira do Tombador. Esta RPPN fica no município de Nobres, em Mato Grosso. Seu Plano de Manejo destacou os atrativos ambientais do lugar com seu valor histórico. Juntou patrimônio ambiental ao histórico.

    Uma Unidade de Conservação (UC) é um bem ambiental. Em razão dos atributos de sua localização, exuberância de sua vegetação, ou da presença de uma espécie rara da fauna, ou ainda pelos encantos da sua paisagem, uma UC torna-se um lugar no qual a presença de nós – cidadãos comuns, turistas ou pesquisadores – passa a ter restrições. Por quê? A presença humana ou atividades econômicas só serão permitidas se adequadas às funções ambientais daquela UC.

    Uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) é uma UC?

    Sim. Uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) é uma UC de propriedade privada, segundo a lei n. 9.985/2000 do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).

    Qual o instrumento que define os usos permitidos e não permitidos em uma UC?

    O documento que define os usos em uma UC é o Plano de Manejo. Talvez, ele poderia ser comparado,  salvo as devidas proporções, com um Plano Diretor de uma cidade. O Plano de Manejo delimita os usos permitidos e suas respectivas zonas, dentro do território da UC.  No nosso caso, na RPPN.

    Por exemplo:

    • Poderá haver pesca naquele rio que passa na UC? ;
    • Poderá haver extração de frutos?
    • Toda a área da UC poderá ser visitada em qualquer época?
    • O visitante poderá levar, como souvenir, aquela pedrinha tão diferente?
    • Onde é a melhor área para pesquisa dos hábitos de uma ave que nidifica ali?

    Estas questões precisam ficar claras no Plano de Manejo da RPPN.

    Quem elabora o Plano de Manejo de uma RPPN?

    No caso de uma RPPN, a elaboração do Plano de Manejo é uma atribuição do dono ou dona da UC. Ele/ela poderá contratar consultorias para apoiá-lo, mas a atribuição pela elaboração e implantação dos programas é do proprietário.

    Cabe a ele/ela definir os usos – já previamente identificados no próprio ato jurídico de criação da RPPN – após a realização do diagnóstico ambiental da área. O diagnóstico é feito através de estudos em livros e artigos e também através de uma expedição de especialistas à RPPN.

    Fragilidades e Potencialidades da UC no Plano de Manejo

    Através de campo realizado por especialistas no relevo, na hidrografia, na geologia, e na flora e fauna, são analisadas as fragilidades do meio físico e biótico da UC. Por exemplo, são identificados:

    • as áreas sujeitas a deslizamento de terra (erosão);
    • os espaços já degradados onde o solo está careca ou tomado pela braquiária;
    • os caminhos que oferecem risco ao visitante; e, portanto, terão acesso proibido.

    Também são identificadas as potencialidades da UC, sob a ótica do meio físico e biótico. Por exemplo, são definidos:

    • os lugares  adequados para trilhas ecológicas;
    • os melhores pontos para instalação de mirantes estratégicos para aquela foto inesquecível;
    • o trecho da serra especialmente talhado para uma escalada no final de semana;
    • as áreas que oferecem especial ambientação para pesquisas de estudiosos.

    O diagnóstico ambiental é feito apenas sobre o meio físico e biótico da UC ?

    Não necessariamente!

    Numa percepção espontânea, todos nós provavelmente associamos uma UC a elementos do meio físico (serra, rio, caverna) e da fauna e flora. Mas, a interface desses meios ditos naturais (meio físico e meio biótico) com a história e o patrimônio cultural não pode ser ignorada na elaboração de um Plano de Manejo. Ou seja, o meio antrópico, aquele que se interessa pela marca do humano no espaço geográfico, é vertente incidente e até mesmo surpreendente no diagnóstico ambiental. O Plano de Manejo considera, portanto, o diagnóstico integrado do meio físico, biótico e antrópico.

    A imagem abaixo traz visada tomada em campo realizado para diagnóstico da RPPN Cachoeira do Tombador, em 2017, realizada pela Bios Consultoria.

    Paisagem tomada em campo para elaboração Plano de Manejo da RPPN Cachoeira do Tombador – 2017.

    Como os elementos da história e do patrimônio cultural da UC entram no Plano de Manejo?

    Ao iniciar os estudos para elaboração do Plano de Manejo, a consultoria que realizaria o estudo aprendeu que a Serra do Tombador – de onde cai a bela cachoeira – havia sido cenário de acontecimento que havíamos estudado na escola: a Coluna Prestes, liderada pelo então tenente rebelde Luís Carlos Prestes, em 1926.

    E também de acontecimento que deveríamos ter estudado na escola: a Expedição Rondon-Roosevelt. Esta excursão, em 1913/1914, buscava o rio da Dúvida, rio lendário, hoje batizado rio Roosevelt, em homenagem ao ex-presidente americano, Theodore Roosevelt. Aventura contada em livros e filme, que até então desconhecíamos!

    Foto da Expedição Rondon Roosevelt 1914.
    Fonte: web, 2018

    No campo realizado, a equipe da consultoria pôde visitar vestígios do patrimônio histórico, como:

    • as ruínas da Estrada Real, por onde passavam tropas carregadas de mercadorias e diamantes, no século XVIII;
    • as ruínas da barricada das lutas de 1901 entre partidos oponentes;
    • as antigas edificações de uma usina hidrelétrica dos anos 40, construída pela prefeita de Rosário do Oeste. Naquela década, Nobres era distrito do município de Rosário do Oeste.

    Em conclusão, o Plano de Manejo da RPPN Cachoeira do Tombador conseguiu trazer para esta UC destaque para sua relevância para a fauna, flora, relevo – sua bela cachoeira – e principalmente pelos vestígios do patrimônio histórico que preserva.

    E é sempre bom lembrar que o patrimônio ambiental e cultural é de todos nós!